Por: Bruno Nepomuceno

Todo primeiro contato com a
filosofia se transforma num desafio! Seja você aluno, professor, leitor curioso
ou alguém que topou com ela em algum caminho de pesquisa, há de concordar
comigo. Ela não facilita mesmo... Primeiro, porque é muito raro se ouvir falar
bem da filosofia e de quem filosofa. Quem aqui não escutou (ou até mesmo já
falou) que todo filósofo é um doido? Pessoas que me conhecem antes de saberem
de minha profissão, por exemplo, quando ouvem que sou professor de Filosofia
não raramente dizem: “Nossa! Não parece!” Por trás dessa frase, as pessoas
escondem o preconceito de acharem que, para ser filósofo, eu precisaria de uma
espécie de comportamento e vestimenta que fosse, no mínimo, alternativos. Algo
que me diferenciasse da massa ou que me outorgasse o posto de diferente (ou
estranho!) da maioria. O que no fundo grande parte das pessoas espera de um
estudante/professor/pesquisador de filosofia, em palavras diretas, é uma barba
desfeita, uma roupa desleixada, um olhar perdido, uma fala pausada... É o
clichê do filósofo que se perpetua com as gerações. Rio disso! Na verdade,
acostumado com o estigma de alguém que se preocupa com algo dispensável, não
levo à sério a surpresa da pessoa que conclui: “Você não é como os professores
que conheci até hoje!” Rio novamente. Sempre tem alguém pra lembrar de um
professor de filosofia que não se comportava no padrão esperado para um
educador, que parecia não preparar as aulas e que ficava “lá na frente falando
coisas que ninguém entendia”. Nós sempre fomos julgados por sermos os pontos
fora da curva, lugar onde também habitam outros profissionais da educação como
os professores de artes, e alguns de história e sociologia. Talvez seja o fardo
que carregamos por sermos da área de humanas. Não dá pra se esperar muito das
pessoas, quando, por exemplo, o próprio curriculum escolar reserva-nos um
espaço reduzido na carga horária total. Mas, ok! Vamos lá.
Um segundo ponto que podemos
citar para justificar a dificuldade das pessoas com o filosofar está na maneira
com que ela lhes foi apresentada. Essa disciplina, talvez mais que qualquer
outra, cria barreira nas pessoas por trazer ao redor dela a carga de ser um
campo muito difícil do conhecimento. Na verdade, quem ouve e repete essa fala
chega a essa conclusão porque não ultrapassou os limites dos inúmeros livros e
argumentos carregados de palavras específicas demais e claras de menos. Culpa dos
filósofos que não utilizaram a linguagem de banca de revista para se fazerem
entender... Mentira! A culpa mesmo é de quem não nos facilitou esse contato e
de nossa preguiça de correr atrás do que falta para preencher nossas lacunas. A
filosofia é, por necessidade, rigorosa. Não dá pra ser pouco específico nas
palavras sob a pena de incorrer na imprecisão e na superficialidade. E se é pra
filosofar, que possamos ir até às raízes das questões. Não dá pra passar ao
largo. Então, os textos filosóficos não são difíceis por puro capricho, na
verdade eles o são porque tratam de questões profundas de maneira profunda. E
como exigir de nós, meros mortais (que não temos paciência nem para textos
grandes no facebook!) que leiamos páginas e mais páginas filosóficas sobre
questões que não consideramos urgentes.
Julga-se a filosofia como
algo dispensável também pelo fato de ela parecer inútil, ultrapassada e
irrelevante. Desde a Grécia, muitos filósofos foram julgadas por se preocupar
com coisas que não estavam diretamente ligadas ao cotidiano das pessoas, com
algo que não servia para nada e que se voltavam para o sentido prático da vida.
Sócrates, por exemplo, chegou a ser retratado numa comédia de Aristófanes como
alguém que vivia nas nuvens, justamente por seu discurso parecer tão deslocado
da vida das pessoas que merecia ser transformado num motivo de escárnio. Está
vendo como não é antigo o pensamento de que o filósofo é uma pessoa que vive no
“mundo da lua”? O erro, porém, que cometemos quando classificamos assim os
filósofos e a filosofia está no fato de ignorarmos que este campo do saber está
mais presente em nossa vida do que imaginamos. Historicamente falando, a
filosofia é mãe e base de diversas ciências, não só humanas, mas como também da
natureza. A biologia, a zoologia, a sociologia e a psicologia são algumas
exemplos. Também podemos dizer que grandes momentos da história tiveram por
base discussões filosóficas, podemos citar o renascimento e o iluminismo como
os casos mais famosos. Além disso, muitos dos valores e conceitos sobre os
quais nossa sociedade está ancorada vieram da filosofia. Felicidade, liberdade,
verdade, ideal, transcendência são alguns dos temas que atravessam a linha
histórica da filosofia e influenciam diretamente em nossas vidas. Nós não
reconhecemos muito facilmente a ação filosófica na humanidade, pois ela
trabalha nos bastidores, na base dos conceitos, na investigação dos fundamentos
e no questionamento de alguns ídolos erigidos pela cultura. Porém, sua ação
nunca é imediata e barulhenta, o que nos leva à precipitada conclusão de ela
pode ser uma ciência morta ou falida. O problema é que a contemporaneidade tem
se tornado cada vez mais imediatista e utilitarista, o que realmente faz
parecer que qualquer esforço demorado de pensamento é dispensável. Quando falo
em sala de aula, por exemplo, com um aluno sobre a necessidade de o homem
construir um ideal que o salve de sua frágil condição material, precisando com
isso, voltar a Platão para justificar essa necessidade, ele logo cria
resistência pois não acredita que aquele estudo esteja relacionado com sua vida
e mais: acha que saber aquilo não lhe trará nenhum resultado imediato a seus
problemas e muito menos servirá para nada.
Estamos presos à armadilha
cotidiana da superficialidade e da imediatez, duas características opostas à
filosofia que sempre procura a profundidade e a análise, o que realmente nos
leva a creditar a ela o título de algo dispensável. Além disso, precisamos admitir
que a filosofia é um conhecimento que tem valor em si mesma. Ou seja, ela procura
fazer da sua própria investigação racional da realidade a paga pelo seu ofício.
Em outras palavras, o objetivo do filosofar é intrínseco e não extrínseco. Não
há uma intenção de nos servirmos da filosofia como instrumento para qualquer
outro objetivo fora dela. Se assim a considerássemos, ela estaria equiparada a qualquer
outro instrumento científico prático que só existe para produzir algo fora dele
mesmo. A filosofia, pelo contrário tem seu sentido na expansão da própria consciência
humana, que não necessariamente precisa gerar frutos fora dela. O fato de ela
realizar a tarefa que lhe compete, ou seja, o livre pensar, já se configura
como o valor da filosofia. É claro que não se exclui o fato de que ela gera
valor prático, mas isso independe da sua autonomia de ser, antes de servir.
Dessa forma, podemos
concluir que a filosofia é inútil, ou seja, não serve (como instrumento
prático) para nada. Ela é, como dizia Aristóteles, um saber desinteressado que
nasce da admiração e nos impele ao desconhecido, ela não é serva da técnica e por
isso se firmará como um saber abstrato e abnegado, mesmo que passível de
aplicabilidade e utilidade.
A filosofia além de não
servir pra nada (no sentido utilitarista da palavra), também a nada serve, ou
seja, não é serva de ninguém. Não se dobra às necessidades nem de Estados,
Igrejas, pleitos políticos.... Na verdade, se há algo para que serve a filosofia
é para nosso entristecimento. Vejamos o que diz o filósofo contemporâneo
Deleuze: “quando alguém pergunta para que serve a
filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se
irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm
outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve
para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria
ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz
da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte:
denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas." (Deleuze,
Gilles. Nietzsche e a filosofia, Ed. Rio, Rio de Janeiro, 1976.) A filosofia,
portanto, alcançará seu objetivo intrínseco quando nos lançar no reconhecimento
de nossa ignorância. Assim, como fez a Sócrates. Quando soubermos que nada
sabemos, começaremos a entender a lógica por trás do pensamento.
Dia desses,
uma aluna me falou ao fim do horário letivo: “Poxa, professor, suas aulas me
deixam incomodada. Saio da sala mais confusa do que quando entro”. Eu não disse,
mas pensei, que Deleuze tinha razão. Ela não sabia, mas a filosofia a estava
entristecendo, para que com isso começasse uma revolução de pensamento dentro
dela. Assim, enquanto a consolava dizendo que toda confusão é boa, pois prepara
o terreno para mudanças, pensava que a filosofia estava lhe sendo útil, sem com
isso ter utilidade alguma.
E você? O que acha sobre o tema? Como conheceu a filosofia? Acha que ela
também é inútil? Em que sentido? Exponha seu pensamento aqui nos comentários pra gente conversar.