segunda-feira, 11 de julho de 2016

Progresso? A que preço?


       É do senso comum o pensamento de que estamos caminhando, junto com os avanços das ciências e das tecnologias, para um futuro melhor, para uma melhora de nossa estadia na Terra. Muitas civilizações se formaram, cresceram e avançaram com o olhar no que viria à frente, no progresso. O uso da natureza, a modificação das matérias, a adaptação dos eventos à nosso favor permitiu que nossa atual geração, por exemplo, não passe as mesmas privações que nossos antepassados e que, ao mesmo tempo, construamos para as gerações futuras uma vida com menos privações que as nossas. A humanidade conquistou diversas melhorias de acordo com a ideia de progresso. Nosso país, por exemplo, se erigiu com este mesmo lema, tanto é assim que trazemos em nossa bandeira a ideia de que se conservarmos tudo o que é bom, belo e positivo (ordem) teremos por consequência o desenvolvimento e o aperfeiçoamento (progresso).
      Porém, a história quando vista de perto é outra. Nossa nação progrediu, e ainda progride, às custas de muito sangue, de muitas lutas, de muita violência. Violência aos direitos de algumas minorias, violência moral, psicológica, física. A escravidão e o massacre dos povos indígenas são provas disso. Nada veio para nós de graça. Ainda hoje é assim. Pessoas escravizadas por jornadas absurdas de trabalho, crianças sofrendo exploradas em minas de carvão, trabalhadores rurais perdendo a saúde... Quantos sonhos alheios foram assassinados para que vestíssemos uma roupa de marca, comêssemos um churrasco no final de semana ou pudéssemos viajar para o exterior? Sabendo disso, será que ainda acreditamos que vale à pena esse tipo de progresso? Ou podemos pensar que este é o preço do progresso? Como se disséssemos que sempre haverá alguma perda em nome de grandes melhoras... (tanto que não sejamos nós a perder).
   

   Você acha que o progresso vale a pena mesmo à custa de muito sofrimento? Existe outra maneira de enxergarmos essa nossa história, ou outra maneira de progredirmos? Quanto de verdade há nos argumentos apresentados na sua opinião? Existe relação entre violência e progresso? Expresse aqui sua opinião... Vamos conversar.

domingo, 10 de julho de 2016

Guerra de afetos

     

    Cada um de nós, enquanto ser no mundo está cercado por matéria. O ar que nos modela por dentro e por fora, os tecidos que nos cobrem, os objetos que carregamos, o solo que nos sustenta. Enquanto vivos, experimentamos o mundo e o mundo nos experimenta através da matéria. Porém, não só estamos cercados por matéria, como também somos matéria. Somos uma consciência que se percebe primeiramente enquanto corpo. É pelo corpo que o bebê expande seu pequeno universo interior, pelo corpo que se vê parte do mundo. Quando chora – ou ri, ou pede, ou grita, ou fala – a criança está reivindicando o direito de seu corpo ser no mundo. Na infância não nos damos conta, porém, que os eventos e as pessoas que nos cercam não estão à nosso favor sempre. Ou seja, não nos apercebemos que não somos o único centro de força para o qual as coisas todas tendem a girar. É dessa falta de consciência da coletividade de outras matérias que também constituem centros convergentes e divergentes de força que nascem alguns de nossos maiores sofrimentos.
      Depois da percepção dos limites do corpo, é a percepção da existência de outros seres desejantes que nos faz ir de encontro com as dificuldades que emanam da existência. Sou um corpo pulsante, um corpo que quer, que quer sempre mais, porém não há um universo a meu favor. Para que meus quereres sejam realizados, então, tenho que mover-me. Buscar o que me falta e o que acredito que me completa. Nesse percurso que parte do entendimento da nossa condição de seres de falta e da necessidade de busca, que imediatamente nasce o afeto. O afeto que nos faz sentir o mundo e nos faz ser sentidos no mundo. Todo corpo afeta e é afetado por outros corpos e a compreensão desses encontros produzem resultados em nossas ações. Muitos afetos vão te aumentar a potência e outros vão te reduzir a capacidade de agir. Isso depende da intensidade de vida que você ganha.
      A minha consciência é o meu corpo, que necessariamente se expande, contrai e afeta, ganha uma forma expressiva. Tudo o que eu experiencio, vira forma. Ou como uma marca ou modificação no corpo ou como representação na mente. Ambos, corpo e mente, constituem âmbitos que se correlacionam e que se complementam, enquanto um é o que recebe o afeto, outro é o que o registra, interpreta, reinterpreta e guarda. A mente é o lugar da ficção, da reelaboração do afeto e justamente porque acumulamos afetos dentro de nós que também nos modelamos por dentro. Muitos afetos nos enfraquecem. São eles que perpetuam o instante dentro de nós, que habitam e se reproduzem em nossa consciência. E porque a gente, enquanto desejo, é maior do que comporta nosso corpo, podemos nos derramar em força ou nos transformarmos em reservatório de potências estagnadas por representações de afetos. A gente não se cabe, ou transbordamos e nos inflamos até o limite. Somos exagerados porque a vida é exagerada, por isso que continuamente ela produz forma.
      A vida em sociedade é uma guerra silenciosa de afetos. Dessa guerra nascem as mais belas e as mais terríveis produções humanas. Nesse campo de batalha escolho o papel que assumo, ou como aquele que usa das armas afetivas para expandir ou aquele que se tranca dentro do seu arsenal por medo de se ferir. Quanto mais em campo bélico estamos, mais risco corremos. Contudo, quem não luta não conquista e quem não conquista não se fortalece. Aqueles de nós que não se encorajam em usar seus afetos, preferindo antes o armazenamento, corre o risco de morrer pelas próprias munições. Ou a gente corre o risco de sentir por nós mesmos ou outros determinarão nossos sentimentos por nós.
      Abaixo, indico um vídeo super simples sobre o quanto podemos, por falta de coragem de assumir nossos afetos, acatar os afetos alheios. A esse tipo de interferência, o filósofo Spinoza, em sua Ética, chama de “ambição”, que era a tentativa de transferência de afetos positivos e negativos. O problemas é que como somos muitos corpos diferentes, cada um de nós é um reservatório diferente de sensações e representações. Viver a partir de sentimentos de outros é tão nocivo quanto viver a partir da negação dos próprios sentimentos.


      Com isso que aqui colocamos, como você vê aquilo que estou chamando de “Guerra de Afetos”? Dê sua opinião aqui em baixo. Vamos conversar.




quinta-feira, 16 de junho de 2016

Ainda existem muitas cavernas

          Platão, filósofo grego de grande importância, através da figura de Sócrates criou uma história que de tão importante tornou-se quase universal: a alegoria da Caverna. Com o intuito de apresentar sua teoria do mundo das ideias e ainda reverenciar a triste história de acusação, julgamento e morte de seu mestre acabou por indicar também como nós somos facilmente influenciados por verdades produzidas. Esse tipo de conhecimento que já vem pronto, acomoda nossa capacidade de nos esforçar para encontrar algo que seja mais seguro e real e que supra nossa necessidade de conhecimento. Vejamos abaixo a representação, em vídeo dessa história, que originalmente está descrita no Livro VI da República de Platão.


          Percebamos agora, como nos dias atuais com o advento de tantas mídias, nós não estamos distantes de nos transformar nesses prisioneiros: 


          Em sua opinião é possível aproximarmos o mito da caverna com as realidades expostas no vídeo? Você consegue listar alguns males ou bens provocados pelo crescimento das mídias e dos meios de comunicação e informação? Quais os caminhos você aponta para que possamos viver uma vida mais esclarecida? Deixe aqui seu comentário.

quinta-feira, 28 de abril de 2016

Verdade(s)

       O que é a verdade?  Somos capazes de  encontrar, reconhecer, apreender e comunicá-la? O que há de fundamental na existência e que a ela dá sentido? Essas e outras perguntas perseguem a filosofia desde seus primórdios. Atrevo-me a dizer que  a filosofia não existiria sem esses questionamentos.
       Esse documentário, que sugiro abaixo, tenta debater esse tema de forma introdutória, mas passando pelos principais pontos que tangem o assunto. Verdade e mentira, verdade e visão religiosa de mundo, verdade e filosofia, verdade e linguagem, verdade e poder... Deem uma olhada e exponham suas opiniões!

     

quarta-feira, 27 de abril de 2016

Sentido da vida e felicidade

       O tema da felicidade está presente na filosofia de forma mais direta desde Aristóteles. Nesse percurso de milênios o tema foi interpretado de diversas maneira pelos pensadores, como virtude, como obediência à vontade de Deus, como construção pessoal, ora sinônimo, ora distinto de alegria, próximo da satisfação e prazer corporal ou como renúncia deles... O que importa, na verdade é que o tema sempre esteve ligado à ideia de sentido da vida e por isso de objetivo da vida. Ser feliz é a tentativa de cada um de nós para fazer valer à pena nossa existência, para que nos tornemos pessoas maiores e melhores que somos.
       Indico o documentário abaixo que apresenta várias maneiras de se construir um sentido pra própria vida. Acredito que essas diversas visões sobre o mesmo tema pode nos ajudar a refletir sobre nosso próprio caminho de encontro (ou edificação e invenção) de quem somos.


terça-feira, 26 de abril de 2016

A palavra enquanto tentativa e desastre

Por: Bruno Nepomuceno


Muito se diz sobre vivermos num tempo em que a palavra está morta. Com um pouco mais de cautela, eu diria que a palavra caiu em desuso, foi obrigada a dividir espaço com tantas outras formas de comunicação, como a imagem, por exemplo. Basta pensar nas mais famosas redes sociais. Pessoas que publicam textos maiores (chamados pejorativamente de “textões”) ou tentam aprofundar de maneira lógica e apurada qualquer questão é taxada de chata, pedante ou moralista. A grande maioria dessas redes se sustenta com base em informações rápidas e em fotos e montagens de imagens, por exemplo. Sobre elas, aparecem alguns textos resumidos, frases de efeito e até mesmo abreviações. Com uma rapidez incalculável, passa diariamente diante de nossos olhos uma infinidade de figuras que têm a função não só de nos divertir e informar, mas também de nos fazer pensar. A junção de uma imagem forte e de múltiplos significados e apropriações, baseadas num fato significativo, gera o que chamamos na cultura pop de “meme”. Os memes (sem falar aqui dos emojis e GIF´s) têm a capacidade de espalhar-se muito facilmente nas redes por causa de seu forte apelo imagético e interpretativo. Eles pretendem substituir os discursos, os argumentos e as opiniões. Em um cenário em que os meios de produção de imagem, como o celular, com suas câmeras e aplicativos de edição, e os programas de computador ganham cada vez mais espaço e popularidade, a palavra escrita obviamente perde espaço.
Não podemos apontar somente, porém, este fato como responsável pela diminuição do uso da palavra na comunicação. Outros fatores importantes são o crescimento e abertura das grandes mídias, como a TV, o cinema, os canais de vídeo da internet e a urgência em que o sistema capitalista colocou as pessoas, na busca por produção e consumo. Então, diante da possibilidade de se escolher entre ler um livro clássico, o que demandaria muitas horas, e ver um filme que conte a mesma história em somente duas, um número superior de pessoas escolheria a última opção. É claro que não excluímos aqui o fato de que muitas pessoas começam pelos livros e depois conhecem os filmes e que muitos filmes instigam novos leitores. Porém, o interesse nesse caso aumenta em relação às leituras novelescas e romanceadas, raramente por um texto argumentativo e/ou analítico. Quando indico livros argumentativos a alunos, uma das primeiras perguntas que ouço é: “esse livro tem quantas páginas, professor?” Esse tipo de questionamento marca uma geração que prefere a comunicação pela imagem que pela palavra, que não vê ganho algum em gastar horas e se desgastar diante de parágrafos e mais parágrafos sem uma mísera imagem. A leitura, nesse caso exige uma concentração e um trabalho que poucos estão dispostos a ter. Isso explica, por exemplo, o crescimento vertiginoso do interesse de jovens e adultos por quadrinhos e mangás, em que as páginas são cobertas por traços, cores e onomatopeias e textos reduzidos.
A filosofia, porém, não se faz sem palavras. Muito menos sem argumentos. Sabemos que ela tem, por base, inclusive, esse tipo de atividade. A filosofia nasce num exercício de autorreflexão, mas somente se completa no embate de ideias, no diálogo e na construção dialética. O problema que se nota é que na tentativa de se tentar entender a realidade e transmiti-la, a linguagem se torna incapaz de abarcar tudo o que a existência em si mesma pode representar. Poderíamos desistir de utilizá-la, por pura preguiça como fazem nossos contemporâneos nas ditas redes sociais ou simplesmente abdicar dela diante de sua impotência na tentativa de encontrar as verdades da vida, como sugeriu Wittgenstein. Para esse filósofo, se não pudéssemos utilizar a linguagem para expressar o que são exatamente as coisas, deveríamos, por isso, nos calar. O silêncio, portanto, diria muito mais que uma enxurrada de palavras. Porém, a filosofia, apesar de Wittgenstein, tenta tatear as palavras para se fazer relevante, para continuar a dizer coisas ao mundo. Sócrates acreditava que a linguagem poderia servir como meio para se alcançar as ideias verdadeiras, que se escondiam atrás dela. A linguagem servia de instrumento para nos levar à verdade que carregávamos dentro de nós, nas nossas almas. Já os sofistas, avessos à ideia de que exista uma única verdade que que impunha universal, viram na linguagem também um instrumento, dessa vez da persuasão. O que importava para os sofistas era a finalidade: o convencimento de seus interlocutores de suas verdades. A retórica, essa arte de utilizar bem das palavras para alcançar o objetivo de convencer as pessoas, servia da linguagem para esconder a falta de lógica de seus argumentos. Eles valorizavam a forma enquanto maquiavam o conteúdo. Admirados com a maneira com que falavam e com a construção argumentativa de seus discursos, as pessoas os gabaritavam como sábios, não por questão da profundidade de seus conhecimentos, mas porque conseguiam vencer qualquer debate tornando argumentos fracos em fortes e vice-versa.  
            É claro que a filosofia seria muito ingênua se acreditasse que a palavra é capaz, sendo criação nossa e depois de atravessar por nossas interpretações e representações, de transmitir por si mesma alguma verdade que fosse acabada e imutável. Sabemos que a linguagem é ficção, ela é uma simbologia que criamos e aceitamos para que pudéssemos agilizar o processo de nosso entendimento e comunicação. Utilizar de uma linguagem dentro de determinado espaço e com determinadas pessoas é, antes de mais nada, assinar um contrato de obediência de certas regras pré-estabelecidas. O perigo está, entretanto, quando em um jogo, portanto ficcional, se blefa passando por cima das regras para se atingir um objetivo. Cria-se um jogo invisível dentro do jogo visível. Ou seja, se em si mesma a linguagem é uma mentira aceita como verdade, a retórica é uma dupla mentira, com o agravante de ser uma mentira velada e, portanto, prejudicial.  
Falar bonito (ou escrever bonito) sem com isso necessariamente falar e escrever sobre coisas relevantes, profundas e lógicas é ainda atividade de muitas pessoas nos dias de hoje. Certos políticos, advogados, jornalistas, líderes religiosos sobrevivem em suas respectivas profissões sobre a prerrogativa de usar bem as palavras para persuadirem de suas verdades, sem necessariamente levar ao interlocutor um pensamento lógico, fundamentado e honesto. Não é raro ouvirmos dessas pessoas discursos que, se analisados sob o ponto de vista da forma, seriam classificados como belos, emocionantes e  animadores, porém se analisados mais a fundo e se comparados com os fatos e as realidades, se mostrariam vazios, confusos e fraudulentos. Muitos políticos se elegem e se mantêm, a grande mídia jornalística ganha audiência, advogados ganham causas para criminosos, igrejas e seitas se perpetuam em grande parte porque continuam “falando bonito”. Numa sociedade em que a fala e a linguagem está desvalorizada, vencerá aquele que, não podendo dispensá-la, torná-la-á parte de um espetáculo verborrágico, em que muito se fala e pouco se diz. Não dá pra saber o que é melhor, se se utilizar da palavra para o engano ou se se calar diante da impotência delas. Nesse caso, ainda prefiro a imagem que, apesar de mais imprecisa que a palavra continua sendo mais honesta.

 E você, o que acha sobre o tema? Tem usado mais palavras ou imagens? Tem paciência de ler e escrever textos grandes? Acha que a palavra escrita tem caído em desuso? Em que sentido? Concorda que a filosofia não sobrevive sem argumentos? Conhece alguém que é muito retórico? Exponha seu pensamento aqui nos comentários pra gente conversar.

segunda-feira, 18 de abril de 2016

A filosofia não serve para nada e a nada serve

Por: Bruno Nepomuceno

Todo primeiro contato com a filosofia se transforma num desafio! Seja você aluno, professor, leitor curioso ou alguém que topou com ela em algum caminho de pesquisa, há de concordar comigo. Ela não facilita mesmo... Primeiro, porque é muito raro se ouvir falar bem da filosofia e de quem filosofa. Quem aqui não escutou (ou até mesmo já falou) que todo filósofo é um doido? Pessoas que me conhecem antes de saberem de minha profissão, por exemplo, quando ouvem que sou professor de Filosofia não raramente dizem: “Nossa! Não parece!” Por trás dessa frase, as pessoas escondem o preconceito de acharem que, para ser filósofo, eu precisaria de uma espécie de comportamento e vestimenta que fosse, no mínimo, alternativos. Algo que me diferenciasse da massa ou que me outorgasse o posto de diferente (ou estranho!) da maioria. O que no fundo grande parte das pessoas espera de um estudante/professor/pesquisador de filosofia, em palavras diretas, é uma barba desfeita, uma roupa desleixada, um olhar perdido, uma fala pausada... É o clichê do filósofo que se perpetua com as gerações. Rio disso! Na verdade, acostumado com o estigma de alguém que se preocupa com algo dispensável, não levo à sério a surpresa da pessoa que conclui: “Você não é como os professores que conheci até hoje!” Rio novamente. Sempre tem alguém pra lembrar de um professor de filosofia que não se comportava no padrão esperado para um educador, que parecia não preparar as aulas e que ficava “lá na frente falando coisas que ninguém entendia”. Nós sempre fomos julgados por sermos os pontos fora da curva, lugar onde também habitam outros profissionais da educação como os professores de artes, e alguns de história e sociologia. Talvez seja o fardo que carregamos por sermos da área de humanas. Não dá pra se esperar muito das pessoas, quando, por exemplo, o próprio curriculum escolar reserva-nos um espaço reduzido na carga horária total. Mas, ok! Vamos lá.
Um segundo ponto que podemos citar para justificar a dificuldade das pessoas com o filosofar está na maneira com que ela lhes foi apresentada. Essa disciplina, talvez mais que qualquer outra, cria barreira nas pessoas por trazer ao redor dela a carga de ser um campo muito difícil do conhecimento. Na verdade, quem ouve e repete essa fala chega a essa conclusão porque não ultrapassou os limites dos inúmeros livros e argumentos carregados de palavras específicas demais e claras de menos. Culpa dos filósofos que não utilizaram a linguagem de banca de revista para se fazerem entender... Mentira! A culpa mesmo é de quem não nos facilitou esse contato e de nossa preguiça de correr atrás do que falta para preencher nossas lacunas. A filosofia é, por necessidade, rigorosa. Não dá pra ser pouco específico nas palavras sob a pena de incorrer na imprecisão e na superficialidade. E se é pra filosofar, que possamos ir até às raízes das questões. Não dá pra passar ao largo. Então, os textos filosóficos não são difíceis por puro capricho, na verdade eles o são porque tratam de questões profundas de maneira profunda. E como exigir de nós, meros mortais (que não temos paciência nem para textos grandes no facebook!) que leiamos páginas e mais páginas filosóficas sobre questões que não consideramos urgentes.
Julga-se a filosofia como algo dispensável também pelo fato de ela parecer inútil, ultrapassada e irrelevante. Desde a Grécia, muitos filósofos foram julgadas por se preocupar com coisas que não estavam diretamente ligadas ao cotidiano das pessoas, com algo que não servia para nada e que se voltavam para o sentido prático da vida. Sócrates, por exemplo, chegou a ser retratado numa comédia de Aristófanes como alguém que vivia nas nuvens, justamente por seu discurso parecer tão deslocado da vida das pessoas que merecia ser transformado num motivo de escárnio. Está vendo como não é antigo o pensamento de que o filósofo é uma pessoa que vive no “mundo da lua”? O erro, porém, que cometemos quando classificamos assim os filósofos e a filosofia está no fato de ignorarmos que este campo do saber está mais presente em nossa vida do que imaginamos. Historicamente falando, a filosofia é mãe e base de diversas ciências, não só humanas, mas como também da natureza. A biologia, a zoologia, a sociologia e a psicologia são algumas exemplos. Também podemos dizer que grandes momentos da história tiveram por base discussões filosóficas, podemos citar o renascimento e o iluminismo como os casos mais famosos. Além disso, muitos dos valores e conceitos sobre os quais nossa sociedade está ancorada vieram da filosofia. Felicidade, liberdade, verdade, ideal, transcendência são alguns dos temas que atravessam a linha histórica da filosofia e influenciam diretamente em nossas vidas. Nós não reconhecemos muito facilmente a ação filosófica na humanidade, pois ela trabalha nos bastidores, na base dos conceitos, na investigação dos fundamentos e no questionamento de alguns ídolos erigidos pela cultura. Porém, sua ação nunca é imediata e barulhenta, o que nos leva à precipitada conclusão de ela pode ser uma ciência morta ou falida. O problema é que a contemporaneidade tem se tornado cada vez mais imediatista e utilitarista, o que realmente faz parecer que qualquer esforço demorado de pensamento é dispensável. Quando falo em sala de aula, por exemplo, com um aluno sobre a necessidade de o homem construir um ideal que o salve de sua frágil condição material, precisando com isso, voltar a Platão para justificar essa necessidade, ele logo cria resistência pois não acredita que aquele estudo esteja relacionado com sua vida e mais: acha que saber aquilo não lhe trará nenhum resultado imediato a seus problemas e muito menos servirá para nada.
Estamos presos à armadilha cotidiana da superficialidade e da imediatez, duas características opostas à filosofia que sempre procura a profundidade e a análise, o que realmente nos leva a creditar a ela o título de algo dispensável. Além disso, precisamos admitir que a filosofia é um conhecimento que tem valor em si mesma. Ou seja, ela procura fazer da sua própria investigação racional da realidade a paga pelo seu ofício. Em outras palavras, o objetivo do filosofar é intrínseco e não extrínseco. Não há uma intenção de nos servirmos da filosofia como instrumento para qualquer outro objetivo fora dela. Se assim a considerássemos, ela estaria equiparada a qualquer outro instrumento científico prático que só existe para produzir algo fora dele mesmo. A filosofia, pelo contrário tem seu sentido na expansão da própria consciência humana, que não necessariamente precisa gerar frutos fora dela. O fato de ela realizar a tarefa que lhe compete, ou seja, o livre pensar, já se configura como o valor da filosofia. É claro que não se exclui o fato de que ela gera valor prático, mas isso independe da sua autonomia de ser, antes de servir.
Dessa forma, podemos concluir que a filosofia é inútil, ou seja, não serve (como instrumento prático) para nada. Ela é, como dizia Aristóteles, um saber desinteressado que nasce da admiração e nos impele ao desconhecido, ela não é serva da técnica e por isso se firmará como um saber abstrato e abnegado, mesmo que passível de aplicabilidade e utilidade.
A filosofia além de não servir pra nada (no sentido utilitarista da palavra), também a nada serve, ou seja, não é serva de ninguém. Não se dobra às necessidades nem de Estados, Igrejas, pleitos políticos.... Na verdade, se há algo para que serve a filosofia é para nosso entristecimento. Vejamos o que diz o filósofo contemporâneo Deleuze: “quando alguém pergunta para que serve a filosofia, a resposta deve ser agressiva, visto que a pergunta pretende-se irônica e mordaz. A filosofia não serve nem ao Estado, nem à Igreja, que têm outras preocupações. Não serve a nenhum poder estabelecido. A filosofia serve para entristecer. Uma filosofia que não entristece a ninguém e não contraria ninguém, não é uma filosofia. A filosofia serve para prejudicar a tolice, faz da tolice algo de vergonhoso. Não tem outra serventia a não ser a seguinte: denunciar a baixeza do pensamento sob todas as suas formas." (Deleuze, Gilles. Nietzsche e a filosofia, Ed. Rio, Rio de Janeiro, 1976.) A filosofia, portanto, alcançará seu objetivo intrínseco quando nos lançar no reconhecimento de nossa ignorância. Assim, como fez a Sócrates. Quando soubermos que nada sabemos, começaremos a entender a lógica por trás do pensamento.
Dia desses, uma aluna me falou ao fim do horário letivo: “Poxa, professor, suas aulas me deixam incomodada. Saio da sala mais confusa do que quando entro”. Eu não disse, mas pensei, que Deleuze tinha razão. Ela não sabia, mas a filosofia a estava entristecendo, para que com isso começasse uma revolução de pensamento dentro dela. Assim, enquanto a consolava dizendo que toda confusão é boa, pois prepara o terreno para mudanças, pensava que a filosofia estava lhe sendo útil, sem com isso ter utilidade alguma.

           E você? O que acha sobre o tema? Como conheceu a filosofia? Acha que ela também é inútil? Em que sentido? Exponha seu pensamento aqui nos comentários pra gente conversar.